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Em jogo, a saúde de 78 milhões de brasileiros

09 de junho de 2022

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Por Vera Valente

O futuro da saúde privada no Brasil está em jogo. Está nas mãos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definir, em julgamento que será retomado nesta quarta-feira (8/6), se os planos de saúde terão ou não condições de continuar existindo no país. Não é exagero. O caráter taxativo do rol de procedimentos de cobertura obrigatória pelas operadoras é o pilar essencial de sustentação de um setor que hoje assiste (bem) 78 milhões de brasileiros.

Nesta semana, o STJ irá decidir se ratifica, com base em ampla jurisprudência, a natureza taxativa do rol — o que delimita os procedimentos, eventos, medicamentos e tratamentos que são obrigatoriamente ofertados pelos planos e seguros de saúde privados a seus beneficiários — ou se opta por uma lista aberta, irrestrita, meramente exemplificativa, em que cabe tudo e em que só o céu é o limite — para as coberturas e, logo, também para os custos e os preços das mensalidades.

Um rol meramente exemplificativo, como defendem alguns, colide com princípios basilares que regem as relações de consumo num setor da economia que é severamente regulado, que precisa cumprir contratos e cuja atividade baseia-se em seguro, em probabilidades e cálculo de riscos, como são os planos de saúde. Colide, acima de tudo, com a preservação da segurança dos pacientes.

Uma eventual decisão pela não taxatividade do rol significaria a imprevisibilidade absoluta numa atividade em que a prestação dos serviços depende fundamentalmente de previsões claras, a partir de regras estipuladas em contratos. Colocaria, pois, toda a estabilidade da cadeia de prestação de serviços de saúde privada em risco.

Aqui não estamos falando apenas das cerca de mil operadoras em atividade, entre aquelas de assistência médico-hospitalar e as exclusivamente odontológicas. Estamos tratando de uma cauda longa na qual a saúde suplementar é a porta de entrada dos vultosos recursos que movimentam toda a saúde privada, com sua extensa rede de hospitais, clínicas e laboratórios, e que respondem por cerca de 60% dos gastos totais em saúde no país.

Atualmente, de cada R$ 100 que as operadoras arrecadam de seus beneficiários na forma de mensalidades, R$ 86 são repassados para os prestadores que os atendem. Se a atividade for inviabilizada, como pode acontecer com uma decisão do STJ em favor de um rol exemplificativo, colapsarão também cerca de 129 mil estabelecimentos privados de saúde e 400 mil médicos que atendem os planos, seja com exclusividade, seja dividindo seu tempo com o SUS.

Hoje, a cobertura pelos planos de saúde se baseia nos 3.379 itens constantes do rol que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determina, cumprindo o que dizem todas as leis e os normativos que regulam o setor. O número de procedimentos ofertados aos beneficiários não para de crescer, uma vez que, desde setembro do ano passado, a atualização da lista é contínua, num dos mais céleres processos de incorporação de novos tratamentos de todo o mundo.

Os procedimentos que definem o que é ou não oferecido no rol obrigatório são baseados em decisões colegiadas, após ampla participação da sociedade, de forma científica, democrática e justa. Valem sempre como premissas as evidências científicas que apontam para os tratamentos mais efetivos a custos que garantam a sustentabilidade do sistema. E aqui é preciso ficar bem claro que não existe doença que não seja coberta pelos planos de saúde no Brasil. Nenhuma.

Um rol exemplificativo resultaria em situação oposta, de decisões individuais, discricionárias. Neste ambiente nem sempre prevalece o interesse coletivo, muito menos a racionalidade que deve conduzir um sistema que lida com custos cada vez mais astronômicos.

Mais grave, sem parâmetros previamente conhecidos, como acontecerá com uma lista exemplificativa, o prêmio de risco vai aumentar muito. Ou seja, as mensalidades vão subir, expulsando usuários. Os efeitos serão imediatos, afetando a vida de milhões de beneficiários. Mas também inviabilizando a sobrevivência de muitas operadoras hoje ativas: 90% delas são de pequeno ou médio porte, com 79% de seus clientes atendidos no interior do país.

Não é difícil antever as consequências disso: corre-se risco de ver a saúde privada transformar-se em artigo de luxo, acessível apenas aos muito ricos, que poderão pagar do próprio bolso pelo atendimento médico. Vale sempre lembrar que os planos de saúde funcionam como um mecanismo de solidariedade em que todos pagam para que alguns usem, ou seja, em que diluem-se os riscos e, com isso, diminuem-se as mensalidades.

Nesta quarta, os olhos de milhões de brasileiros estarão voltados para o que acontecerá no STJ. Os ministros irão escolher entre manter ativa e sólida uma saúde privada acessível a milhões ou torná-la privilégio de uns poucos. Os planos de saúde querem continuar ajudando a curar pessoas e a salvar vidas, o que o rol taxativo garantirá. Mas correm risco de morrer se o rol exemplificativo prevalecer.


Originalmente publicado em: https://www.conjur.com.br/2022-jun-08/vera-valente-jogo-saude-78-milhoes-brasileiros2 

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